23.6.07
Wayne Shorter - Criatividade e Mudança - 1968
Algum tempo atrás, no myspace, me deparei com esse ensaio do saxofonista Wayne Shorter no blog no Myspace do Jeff Parker (guitarrista, que entre outros projetos acompanha o Tortoise nas turnês) e motivado talvez pelo mesmo motivo que ele, decidi traduzir esse texto. É lógico que o texto deve ser lido como o que ele é - um texto do fim da década de 60. Hippies, guerra-fria, vietnã, a cena de jazz reduzida a poucos clubes.
Leiam com atenção e encontre os milhões de paralelos com os dias atuais. Depois, tire suas conclusões e me deixa um comentário, porque traduzir isso aí, foi uma "cansera braba".
O texto original você encontra aqui
Criatividade e Mudança
Por Wayne Shorter 12/12/1968
Arte. Arte como uma competição entre artistas. Eu tenho perguntado a mim mesmo como se sucedeu de a arte ter se tornado, de fato, uma coisa competitiva entre artistas. Eu imagino se os artistas escolhem competir entre sí, ou se eles são estimulados, empurrados, seduzidos a isso como um resultado da formação da nossa sociedade em particular?
Eu fico aqui imaginando se um jovem músico, ouvindo outro músico, tem um desejo instintivo de competir com o primeiro ou ao contrário, unir forças e comparar notas?
Eu fico aqui imaginando se ambos devem se reunir para comparar notas, e as notas de ambos serem apreciadas por um terceiro, o crítico. Devem essas duas partes darem importância pra o que o terceiro acha ou diz, a ponto de se jogarem numa disputa apenas para agradá-lo?
Somado a tudo isso, o crítico em sí, fala a uma quarta parte, o público, e agradando à crítica, você agrada o público?
Eu fico aqui imaginando se uma votação ou concurso são válidos como forma de incentivar artistas à criação, a seguir em frente, ou apenas pra correr um quilômetro em menos de um minuto.
É a arte uma arte ou um esporte?
Eu penso que votações, prêmiações, Grammy’s e Oscars da vida, vem direto do sistema escolar – aquela estrelinha que você recebia no caderno, suas notas no colégio. Se conseguíssemos fugir do estigma que se produziu por conta do sistema de graduação, das notas, eu penso que nós teríamos uma maior compreensão do que uma pessoa faz, quando está criando algo.
Por exemplo, se uma pessoa ganha o primeiro lugar numa categoria relacionada a artes através de um sistema de votação, e ele se sente bem com isso, ele vai criar algo novo ou simplesmente perpetuar o resultado da votação?
É difícil fugir de votações ou aprovação, porque se sua arte em algum momento for apresentada em público, o aplauso tem o mesmo papel, só que numa escala menor. Alguns consideram o aplauso algo maior que uma citação ou um troféu. O aplauso é uma coisa gratificante para mim e para um monte de outros músicos. Alguns músicos negam isso, mas eu sei como eles se sentem lá no fundo.
Não vou dizer sinceramente que a falta de aplauso não é gratificante pra mim, porque seria errôneo dizer que a falta de aplausos significa falta de reconhecimento. Isso já aconteceu comigo com frequência, principalmente quando eu comecei minha carreira. Até hoje isso acontece comigo, vez por outra, mas, após o show quando desço do palco, alguém se aproxima e diz algo profundo sobre a música apresentada e não só sobre minha performance em particular. Essa pessoa cria a impressão de falar por toda a platéia e pode virar pra mim e dizer algo como: “Esse foi um set realmente profundo – muita coisa acontecendo”. Eu penso que nesse sentido ele estava dizendo, que não havia espaços pra aplauso – o público não queria perturbar a essência daquele momento.
Uma pessoa cria por conta do reconhecimento de uma massa, e, se ele é reconhecido, deixa de criar?
Me pergunto se um artista pode dar notas a sí mesmo, usando a sí mesmo como parâmetro? Talvez isso tenha que ser ensinado. Eu raramente tive um professor que me dissesse, “Vou te ensinar a se avaliar pelo que você é, te colocar frente a frente e, usar a você mesmo como a mola propulsora para o seu crescimento.” Você pode tirar forças, de um monte de lugares, da natureza por exemplo e não necessariamente de outras pessoas. É difícil de conseguir, mas uma vez que você sabe o que procura, e você começa a encontrar, algo realmente começa a acontecer. Se alguém já viu 2001: Uma Odisséia no Espaço, é como alcançar o monolito negro, o arquétipo do Por que, O que e Onde. Se você é curioso o suficiente sobre sí mesmo, não tem muito tempo de sobra pra saber o que o cara ao lado tá fazendo. Você não tenta competir com algo superficial ou exterior, não tá preocupado com o que o vizinho tá pensando. Eu penso que se os artistas aprenderem a usar a sí mesmos como parâmetro, o público vai ser obrigado a aprender a fazer o mesmo.
Quando eles vão a uma peça da Broadway, eles não precisam ler o que a crítica diz.
Quem decide o que é arte de qualidade?
Isto é algo altamente individual, com ou sem um grupo de pessoas se autoproclamando críticos ou uma audiência chamando a sí mesmo críticos. Muitas pessoas não querem pensar com a própria cabeça ou analisar algo por sí só, então eles se refugiam em votações e prêmios, fazem sua cabeça, e dessa maneira, acabam perdendo um monte de pessoas criativas, pessoas que tem algo a oferecer sem pedir nada em troca. Quando um artista cria, ele pode alimentar a alma, curar a alma, fazer as pessoas se sentirem bem, mas muitas das pessoas não estão abertas a ouvir as coisas com o coração aberto, mas com mentes computadorizadas, montadas e condicionadas pelo sistema que inclui prêmios e votações.
Eu me pego aqui pensando, se essas pessoas que acreditam em votações e premiações, acreditam que estão criando uma ponte, através de uma extensa massa de água, para os que não sabem nadar. As votações são como bóias de natação, você até começa com elas, mas em determinado momento, precisa abandoná-las. O que me preocupa é a perpetuação das pontes e bóias. Eu não acredito que o crítico, realmente perpetue isso, porém, ele se encontra numa posição privilegiada, no topo, onde a água nunca chega. A única pessoa que pode perpetuar isso, é a pessoa que precisa disso. Enquanto eu escrevo, tento não fazer nenhum tipo de julgamento, porque estamos todos no mesmo trilho, tudo é temporário.
Se eu tivesse que julgar, eu pegaria um lápis do tamanho do Sol, e colocava um ponto final no planeta Terra. Esse seria o julgamento supremo.
Se um crítico tem o trabalho de criticar e dar notas a discos, e ele está dividido entre dar ao disco A uma boa nota e ao disco B o contrário, e a razão pela qual ele está dividido, é a de que os músicos no disco B, apesar de não tão bons quanto os do A, estão realmente suando a camisa, e ele não quer mexer com o orgulho dos músicos do disco A, essa é uma coisa realmente complicada de lidar, especialmente se for seu trabalho. Seu trabalho e sua consciência... Sua consciência é um trabalho também. Se ele chega a uma conclusão e realmente dá ao disco A uma nota alta e ao disco B uma nota baixa, e os músicos do disco B, são realmente honestos consigo mesmos, eu penso que, apesar de se machucarem um pouco, honestidade consigo mesmo sempre é fortalecedora.
Mas os esforços de se conseguir uma maior pontuação da próxima vez vão desconectá-los da real criatividade?
Eu suponho que cada músico deve confiar em sí mesmo a respeito de que caminho seguir não importa o que digam terceiros.
É a criatividade algo bom, no sentido de originalidade?
Como você pode ser tão original, quando você anda de forma semelhante que seu pai ou mãe, ou tem a cor dos olhos do seu pai, ou faz um simples gesto e alguém diz “ Você fez exatamente como seu pai fazia.” Charlie Parker, por exemplo, disse que quando ele era jovem, seus ídolos no sax alto eram Rudy Vallee e Jimmy Dorsey. Se você já ouviu o Bird, e já ouviu Ruddy Vallee ou Jimmy Dorsey, eu penso que você tem que cavar muito fundo, arrancar várias camadas de papel de parede antes de encontrar alguma semelhança em som, abordagem ou técnica. Eu diria que a única coisa que confirma o que Bird disse sobre sua admiração seria a sofisticação da abordagem. É a sofisticação da Música Ocidentalizada, as Escalas Ocidentais. Mas vamos um pouco além. As escalas usadas no ocidente vieram da região da Grécia, Jerusalém e Oriente Médio. Elas são escalas mundiais na realidade. As pessoas aprendem música dessa maneira, separando a música Ocidental da Oriental, mas eu acho que tudo faz parte de um grande círculo. É difícil manter rótulos. Por exemplo, quando eu digo que Bird idolatrava Rudy Valee e Dorsey, algumas pessoas vão ficar satisfeistas e dizer “Ah, então foi daí que ele cavou!”. Mas eu sou pretenso a usar esses nomes como um trampolim na história, indo todo o caminho de volta até a explosão que iniciou o universo. Você não pode apenas prosseguir do que o Mr. X disse, você tem que fazer uma reflexão própria. Ouvimos com frequência a palavra “liberdade”, e se você pretende ser livre, o crítico tem que ser livre também. Vários críticos não consideram o fato de serem críticos como um trabalho. Pra alguns, é uma atividade puramente estética. Quando passam seus pensamentos pro papel, sobre algo que eles viram ou ouviram, eles mais do que viram ou ouviram. Eles se envolvem. Não estou dizendo que eles ficam tão envolvidos a ponto de se “influenciar”, porque um grande crítico sempre mantém um extraordinário senso de equilíbrio. Ao ler suas palavras no papel você pode achar que, realmente, ele não está criticando nada – suas palvras se converetm em algo poético, se tornam uma extensão da experiência artística. Ao mesmo tempo, ele não está colocando nada nem ninguém num pedestal.
A Arte vem primeiro – O Bebê, salve o Bebê!
Eu gostaria de retornar ao outro lado da competição – a união, o encontro, a comparação de notas. Quando eu tinha 16 anos, eu costumava comprar uma revista que tinha artigos sobre um músico que estava tocando essa nova música chamada bebop, e eu ouvi Charlie Parker e Bud Powell no rádio. Eu tinha que ir pra Nova York... por conta de ter lido sobre como as coisas começaram no Minton’s, onde aconteciam muitas reuniões e o lance da comparação de notas. Um número de músicos então saiu da pobreza . Eles moravam juntos, cozinhavam juntos... eles até ajudavam a pagar enterros. Hoje, os da década de 40 que conseguiram se manter, os que hoje tem os seus próprios grupos, sempre se lembram da irmandade que existia, mas por conta da fama conquistada, eles tem que viajar por estradas distintas. Existe uma certa ressureição disso hoje em dia entre os novos músicos – o desejo de estar junto.
Eles querem estar junto de outros em grande número - o lance das big band, dos estúdios. Alguns músicos tem estúdios onde eles dão aulas e ao mesmo tempo, eles usam esses espaços pra se reunirem com outros músicos, mas o lance da Jam Session se foi.
Essa era a outra forma de se reunir... apenas improvisando.
Eu ouço por todos os cantos do país, “Onde eu posso ir pra tocar, onde eu vou ser ouvido, como é em Nova York?” É sempre a velha questão, mas Nova York não é a mesma velha Nova York, ao ponto de ser o centro de quase tudo.
Quando eu finalmente fui pra Nova York nos dias que eu ía e voltava de Nova Jersey com meu trumpete, eu me lembro, um pouco antes de ser convocado pro exército, eu fui a um lugar chamado Café Bohemia. Charlie Parker havia morrido a pouco tempo, e eu entrei com meu trumpete. Havia um baterista que hoje em dia mora na Europa, um organista que acabava de chegar na cidade (ele é bem grande hoje em dia), e um saxofonista havia acabado de chegar. Eles estavam todos no palco com o Oscar Pettiford. Eu tive a chance de me juntar a eles. Todos mundo estava junto, havia uma sensação de apreço mútuo. Quando a gente saiu do palco, apertávamos as mãos e falávamos, e você podia ver o brilho no olhos dessas pessoas, como se eles tivessem fazendo planos de montar grupos. Eu estava me sentindo meio mal, porque estava indo pro Exército e me sentia excluído desses planos.
Quando fui pro exército, eu senti “Essa foi a última oportunidade de fazer uma Jam”, mas quando eu saí, as jam sessions ainda estavam lutando contra a extinção. Existiam jam sessions suficientes acontecendo, que músicos conhecidos vez por outra apareciam, pra conhecer pessoas e ver quem eles gostariam de contratar pra suas bandas.
Começar significa, ganhar confiança, se colocar num contexto. Estar à volta de músicos que estão tocando, encontrá-los, conversar com eles, você vai se condicionando. Você está assistindo como um músico anda em direção ao microfone e toca, ou como outro se desvia do foco de atenção. Você vai descobrindo através dos outros, como você gostaria de ser, porque a maneira como você é, afeta o que sai do seu trumpete. Você pode produzir muralhas de timidez, muralhas de falta de confiança, ou muralhas de muita confiança. Você vai ter que aprender a dosar tudo isso sozinho. Eu acho que eu tive muita sorte, porque quando eu estava no Exército, eu tive a chance de trabalhar com um dos mais conhecidos grupos. Eu estava situado no Leste, Forte Diz, então eu não estava tão distante do Blue Note na Philadelphia, tampouco de Nova York ou Washington, D.C. Eu estava lá uma noite, quando eu realmente ouvi Coltrane (Eu já havia ouvido ele anteriormente em Nova York, mas eu realmente ouvi ele naquela noite. Ele estava realmente rompendo com algo.) Eu podia estar em Nova York numa estada de fim-de-semana, tocando, e Coltrane podia aparecer do nada, e a gente conversava. Por isso, quando eu saí do Exército, Trane e eu passamos muito tempo juntos eu seu apartamento em Nova York. A gente passava muito tempo à volta do piano, e ele me explicava o que estava fazendo, o caminho que ele estava trilhando, coisas que ele estava tentando trabalhar. Nós passavamos dia e noite inteiros. Eu tocava o piano e ele mostrava os lances que estava trabalhando e vice-versa. Esse tipo de encontro não é tão comum nos dias de hoje. Talvez em alguns lugares de Nova York, músicos que moram no Village por exemplos, moram em galpões onde é possível acontecer esse tipo de encontro. Eu gostaria de ver mais disso. Eu gostaria de fomentar esse tipo de coisa. No meu próximo disco, eu gostaria de fazer algo grande, 19 ou 22 instrumentos, e ligar pros músicos e pedir auxílio na execução disso. Durante as gravações, eu gostaria de criar uma atmosfera diversa da de uma gravação normal. Eu tenho algo já escrito, mas quero gravar tudo com um espírito de jam session.
O termo “músico” pode se tornar uma couraça.
Você pode se tornar rígido e impessoal, mas ainda existe uma coisa humana ali. Por exemplo, dois músicos se encontram na Europa (isso sempre acontece em algum lugar), e eles pertencem a diferentes escolas, mas eles ficam felizes de se encontrar, de se comprimentar, falar. I tive uma longa conversa com um conhecido saxofonista, na Suiça – alguns o chamam de o pai do saxofone de jazz. Nós estavamos batendo um papo, quando eu lhe perguntei se ele estava bem, e logo que ele disse que estava tudo bem, ele começou a falar sobre economia. Era como se eu estivesse em casa conversando com um tio mais velho. Enquanto nós conversávamos, eu comecei a pensar em pessoas que admiram outras, um jovem fã de 17 anos por exemplo. Se ele vê um jovem músico que ele conhece, e um músico mais velho ele vai sentir “Nossa, eles estão juntos.” Eu costumava me sentir dessa maneira.
Nesse ponto da minha vida, quando eu vejo alguém que é famoso e notável, eu não quero nunca perder a memória do respeito que eu tinha quando era mais jovem. Eu não quero me tornar sofisticado ou confiante o suficiente ao ponto de dizer “Nós estamos nessa juntos” – por que isso é um orgulho bobo. Hoje em dia, quando eu estou na companhia de um grande número de músicos notáveis, eu me sinto confortável, e eu consigo vê-los como os seres humanos que são, me ver como um ser humano entre eles, e respeitar o legado que eles deixaram com o passar dos anos.
Pra onde a nova música está indo?
Eu não sei se isso é tão importante quanto de onde ela veio, porque se você sabe
de onde ela veio, ela já tá indo de qualquer maneira. Eu não gosto de rótulos, mas eu vou dizer “nova música” de qualquer jeito – olha só a confusão. Quando você tá tocando, a música não é apenas você e seu trumpete – a música é o microfone, a cadeira, a porta se abrindo, o foco das atenções, algo chacoalhando. Da alma pro Universo.
Eu vi algo na televisão onde existia um total envolvimento. Dois homens estavam discutindo o que estava prestes a acontecer. Então aconteceu uma pequena apresentação de ballet. A apresentação aconteceu, e as câmeras íam do ballet, pros dois caras que estavam discutindo, e eles eram parte do ballet, e ainda falando sobre. Eu gostei do que vi, como um começo.
Eu penso que esse é uma época muito excitante pra se viver. Algumas pessoas estão preocupadas com o fim das coisas. Então, como que do nada você ouve uma voz baixa dizendo “isso é uma renascença”. Estão acontecendo coisas que nunca aconteceram antes na história, e a arte vai refletir isso de alguma maneira. Tudo está extremamente acelerado, então as mudanças são perceptíveis, você sente sua própria mudança. Aqueles que não mudam, que se recusam a mudar, podem sentir que não estão passando por nenhuma mudança, e alguns deles não gostam. Toda vez que nós vamos pra Califórnia, eu sempre tento ir até Berkeley. Eu visito os dormitórios dos estudantes. Alguns deles chegam a ser até 14 anos mais jovens que eu, e todos são muito comunicativos. Eu acho mais simples ser eu mesmo, não tentar ser jovem. Nós estamos todos juntos. Ninguém me pergunta a idade.
Eles querem a mudança.
A respeito de algumas pessoas se sentirem relutantes a mudar pela melhoria de todos os envolvidos – eu acho que pessoas que sentem que é mais fácil mudar e evoluir, que não querem somente status, são capazes de crescer e seguir em frente. Uma pessoa estática sente dificuldade em mudar. No negócio que eu estou, nós vamos de um lado pra outro, viajamos como trovadores. Nós não estamos atados a nenhum estado, cidade ou vizinhança. Os estudantes que eu encontro na Califórnia, estudam em Berkeley, e moram lá, mas eu vejo que eles seguem se mudando. Eles vão pra San Francisco, depois pra L.A., aí sobem pra Seattle, de lá pra Nova York, e então de volta pra escola.
Eu vi a evidência de uma grande mudança quando fizemos dois concertos em Berkeley. Uma das mudanças foi que – o concerto estava sendo organizando por uma menina de 21 anos, chinesa, uma empresária de jazz. Ela me disse que ouvia jazz desde os 8 anos de idade. Ela organizou o concerto contra uma enorme oposição da direção da escola, a respeito do orçamento entre outras coisas, mas ela trabalhou e concretizou. Ela escalou os mais conhecidos nomes do Jazz. No último concerto que ela organizou, haviam 20.000 pessoas no Tetro Grego de Berkeley. A audiência era basicamente de rock & roll, e a maioria do público nunca havia visto os artistas antes e raramente havia ouvido os mesmos. E eu os vi voltando sua atenção pro Jazz, algo que eles nunca haviam ouvido. Eles deram a atenção às apresentações e ouviram com respeito até o ponto que todo o público começou a aplaudir de maneira selvagem.
Quando eu ouço um músico de jazz dizer “Bom, os jovens - o lance deles é o rock – eles não vão nem chegar a ouvir Jazz” – eu penso que eles vão mudar e crescer. O próprio rock tá mudando com eles. Eu tenho ouvido muitas coisas deles. Os “rótulos” estão sendo retirados das garrafas. Como eu disse sobre as diferentes escalas. Ocidentais e Gregas, é tudo uma mesma grande coisa. E vejo garotos com seu longos cabelos, barbas e sandálias, sentando bem em frente ao palco, e eles são parte de uma coisa chamada Jazz. Algo semelhante aconteceu em Nova York no Village Gate. Eu encontrei um monte de jovens lá, e eu conversei com um cara lá que tinha cabelo comprido, e tudo o mais. Eu vou descrever como o visual do cara e vocês vão ter que me dizer o que ele fazia. Ele tinha cabelo comprido, barba e bigode, um colar de contas, uma jaqueta de franjas, e uma faixa Apache na testa.
E ele escrevia Opera.
Ele veio pra ouvir essa música rotulada como jazz, e ele estava captando e unindo o que ele conhecia de música com o que ele ouvia por todo canto. Ele disse “eu tinha que estar aqui. É parte do que tá acontecendo.” Leste e Oeste eu vi a evidência de um encontro de mentalidades. A mudança que eu gosto é sempre a que une as pessoas. A pessoa que é rotulada de hippie ou rocker está quebrando com isso e retirando o rótulo. Os mais jovens vão olhar pros artistas que estão realmente fazendo algo e usá-los como guias, então não existe nada com que se preocupar.
Eu estou dizendo todas essas coisas, porque eu mesmo não gosto de ficar parado num lugar. Art Blakey uma vez me disse “A Música é como um rio. Ela deve fluir.” Quando alguém perguntar “Porque ela deve fluir?” a resposta é simples “Se um corpo de água não tem ponto de entrada ou escoadouro, ele está destinado a apodrecer”. Eu duvido que você encontre algo vivendo nele. Quem beber dessa água vai ter uma diarréia horrível, ou então vai direto pra sete palmos abaixo da terra. Qualquer pessoa pode ver que ele está podre. Se ninguém enxerga, é porque existe muita “maquiagem”. Você pode ser ensinado a saber coisas, e você pode ser ensinado a não saber também. Se você acha que não está estagnado, faça uma auto-análise.
Quando tocamos em Berkeley, com uma orquestra de 19 músicos, eu olhei para o público, eu olhei pra Miles, eu olhei pra Gil Evans, eu olhei pra menina de 19 anos que estava tocando harpa, então no naipe de French Horns havia um senhor de cabelos brancos, havia uma senhora de meia-idade tocando ao lado dele, e então eu olhei pra Howard Johnson na tuba, e disse “Todas as idades, todas as idades aqui, e nós estamos tendo um baile com som” Ninguém se questionou “O que que é isso – Isso não é normal”. A jovem harpista apenas perguntava algumas questões técnicas e isso era tudo. Isso acontece na música, o intercâmbio entre as pessoas. Eu vi vida surgir aquela noite. Eu gostaria de ver isso entre jovens e mais velhos por todo o mundo. A juventude não consegue pôr suas mãos nos tanques de guerra, não tem acesso aos planos do Pentágono ou do Kremlin, não consegue colocar as mãos nos botões, não tem acesso a poder material, mas se os mais velhos estão tão nervosos sobre os jovens, e eles não estão nervosos a respeito do poder que tem em mãos, evidentemente o poder espiritual dos jovens está incomodando alguém.
Recentemente eu estava procurando algum lugar pra comprar roupas, e eu encontrei um lugar em Nova York onde vários jovens se reúnem. Uma coisa chamou minha atenção logo que eu entrei – eles estavam tocando discos na loja. Todos olhavam as roupas e alguns meio que balançavam e se deixavam levar pela música. Numa outra ocasião eu voltei à loja – e ningué estava comprando, todos dançavam, e o dono dançava também. Ele disse “Bem, o principal é se divertir, conquanto eu sobreviva.” Ele não se preocupa se alguém entra na loja e não compra. Eles irão comprar ou trocar algo eventualmente e ao mesmo tempo, irão trocar um pouco de felicidade. Eu gosto desse enfoque. O mesmo espírito – quebrar algo que se encontra rígido – acontece ao palco de vez em quando. Quando o público é óbviamente careta eu sei que os músico se sentem compelidos a se jogarem na música e quebrar o gelo.
A Vida pra mim é como uma arte, porque a vida foi criada por um artista, O Arquiteto Chefe. Algumas pessoas só conseguem ligar sua alma à Deus. Parece que se eles só conseguem isso no momento que vão à igreja, ou quando passam por dificuldades. Eles pensam que a alma em relação ao universo tem que ter alguma relação com religião o tempo todo. Eu penso que parte da rigidez que nós vemos é devida a isso, pelo fato deles não relacionarem a alma deles a uma mesa por exemplo. Eles não vêem nenhum uso prático em relacionar a própria alma a uma mesa ou a um inseto num peitoril, ou a músicos num palco, ou a uma foto na parede, ou a sal e pimenta. Você pode argumentar que isso é ir do sublime ao ridículo, mas é mesmo? É como dizer “Um pássaro não voa porque tem asas. Ele tem asas porque voa.”
Pessoas que presas à rigidez pensam em questões, questões de grande amplitude, o questionamento de como se sustentar, a questão da criminalidade nas ruas. As questões acabam se tornando um obstáculo- a questão de convidar alguém pra vir até sua casa para um jantar.
O que é uma postura e como você muda uma postura?
Eles dizem como você pode mediar posturas, mas quando você deixa de lado as inibições e vai direto ao fundamental, você diz “Vem comer aqui em casa.” Algumas pessoas dizem “Eu não quero ser associado com com música “outside”. Eu não tenho nada a ver com isso”. O que eu ouço dos mais jovens é, quem precisa desses obstáculos, tudo é tudo, deixa estar, vamos fazer a qualquer hora, se eu não conseguir te achar amanhã, assim que der...
Entre essas pessoas não existe espaço pra inveja como uma força, ciúmes entre homens e mulheres, ciúme de coisas. Eu gosto de chamar a inveja de uma raiva emocional, e ela existe muito entre os mais velhos. Nos últimos anos eu não tenho ouvido a palavra “inveja” sendo usada entre os mais jovens. Quando eu olho pros seriados na TV, eu vejo que eles tem perpetuado conflitos que os mais jovens praticamente eliminaram de suas vidas.
Eu não posso falar de música, nesse estágio da minha vida, sem colocar ela num contexto mais amplo. Eu não posso falar a respeito dos qualidades ou defeitos sociais sem inserir algo sobre arte. Muitos músicos que começaram mais ou menos na mesma época que eu, quando não estão tocando, estão cuidando do lado empresarial de suas carreiras, da papelada, dos aspectos legais da profissão. Por um longo período eu costumava ouvir “Tudo o que você deve fazer é tocar, o negócio toma conta de sí próprio, você terá quem se preocupe disso por você.” Eu penso que os músicos hoje em dia devem ler a respeito de negócios, leis de copyright, etc... Eles devem saber o que certas palavras significam, e não simplesmente olharem para o número de zeros seguidos de um digito e um cifrão quando lêem um contrato. Eu me pergunto quantos músicos hoje em dia pensaram em esboçar um testamento.
Música sempre teve um papel grande nas invenções.
Eu penso que algo vai surgir, como uma extensão do aparelho de TV e eu acredito que a música vai ter um papel importante nisso. Junto com essas invenções, junto vem uma reforma, uma correção na sua visão profissional. Eu escrevi à Washington pra que a lei que regulamenta as Jukeboxes fosse regulamentada, e eu sei que Stan Kenton está trabalhando nisso. Isso, e os royalties para a maneira como um artista interpreta uma certa obra musical. Ninguém está ganhando nenhum royaltie das jukeboxes. A lei de copyright diz que os royalties devem ser distribuídos aos artistas no evento de qualquer reprodução mecânica e um som musical. Se a lei não for aprovada, qualquer um que inventar algo para reproduzir música pode olhar para as jukeboxes como uma brecha, visto que seria vantajoso não pagar às pessoas cuja música está sendo reproduzida. Eu mencionei a idéia de “total envolvimento.” Tudo o que eu disse a respeito de arte, juventude, negócios, indica que a música e o músico de hoje estará totalmente envolvido. Nem ele tampouco sua arte ficarão confinados ao palco.
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5 comentários:
Entendi agora aquela sua maxima de que o "melhor" nunca aparece!
Rafa!
Porra, Monstro, foi foda pacaraio essa translation! Seu Shorter num existencialismo artístico-soulcial prolixo e fantástico, adorei, muito obrigado, mesmo. Agora vou fazer um lalinho e daí ler a parte da tour, só pra deixar o Wayne digerir um tiquinho.
Muitamô.
Um dia por vez...
''E o ontem mais do que nunca, esta ligado ao amanhã''
E flui a vida como aguá...
Paz
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Fantastico isso ae mano.
Valeu pela preza.
Abracos Munhoz.
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Boa! Gostei muito.Blog do munhoz, boa descoberta! abs
zé.
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